quarta-feira, julho 05, 2006

Principezinho

Este post é dedicado aos meus amigos, aqueles que estão presos a mim. Mas especialmente ao meu amigo António e à minha Maria, que infelizmente já não o poderão ler.

Este é o capitulo XXI d’ O Principezinho, de Antoine de Saint-Exupéry.

Foi então que apareceu a raposa.
– Olá, bom dia! – disse a raposa.
– Olá, bom dia! – respondeu delicadamente o principezinho que se voltou mas não viu ninguém.
– Estou aqui – disse uma voz – debaixo da macieira.
– Quem és tu? – perguntou o principezinho. – És bem bonita…
– Sou uma raposa – disse a raposa.
– Anda brincar comigo – pediu o principezinho. – Estou tão triste…
– Não posso ir brincar contigo – disse a raposa. – Não estou presa…
– Ah! Então, desculpa! – disse o principezinho.
Mas pôs-se a pensar, a pensar, e acabou por perguntar:
– O que é que “estar preso” quer dizer?
– Vê-se logo que não és de cá – disse a raposa. – De que é que tu andas à procura?
– Ando à procura dos homens – disse o principezinho. – O que é que “estar preso” quer dizer?
– Os homens têm espingardas e passam o tempo a caçar – disse a raposa. – É uma grande maçada! E também fazem criação de galinhas! Aliás, na minha opinião, é a única coisa interessante que eles têm. Andas à procura de galinhas?
– Não – disse o principezinho. – Ando à procura de amigos. O que é que “estar preso” quer dizer?
– É uma coisa que toda a gente se esqueceu – disse a raposa. – Quer dizer que se está ligado a alguém, que se criaram laços com alguém.
– Laços?
– Sim, laços – disse a raposa. – Ora vê: por enquanto, para mim, tu não és senão um rapazinho perfeitamente igual a outros cem mil rapazinhos. E eu não preciso de ti. E tu também não precisas de mim. Por enquanto, para ti, eu não sou senão uma raposa igual a outras cem mil raposas. Mas, se tu me prenderes a ti, passamos a precisar um do outro. Passas a ser único no mundo para mim. E, para ti, eu também passo a ser única no mundo…
– Parece-me que estou a começar a perceber – disse o principezinho. – Sabes, há uma certa flor… Tenho a impressão que estou preso a ela…
– É bem possível – disse a raposa. – Vê-se cada coisa cá na Terra…
– Oh! Mas não é da Terra! – disse o principezinho.
A raposa pareceu ficar muito intrigada.
– Então, é noutro planeta?
– É.
– E nesse tal planeta há caçadores?
– Não.
– Começo a achar-lhe alguma graça… E galinhas?
– Não.
– Não há bela sem senão… – disse a raposa.
Mas a raposa voltou a insistir na sua ideia:
– Tenho uma vida tão terrivelmente monótona. Eu, caço galinhas e os homens, caçam-me a mim. As galinhas são todas iguais umas às outras e os homens são todos iguais uns aos outros. Por isso, às vezes, aborreço-me um bocado. Mas, se tu me prenderes a ti, a minha vida fica cheia de Sol. Fico a conhecer uns passos diferentes de todos os outros passos. Os outros passos fazem-me fugir para debaixo da terra. Os teus hão-de chamar-me para fora da toca, como uma música. E depois, olha! Estás a ver, ali adiante, aqueles campos de trigo? Eu não como pão e, por isso, o trigo não me serve de nada. E é uma triste coisa! Mas os teus cabelos são da cor do ouro! Como o trigo é dourado, há-se fazer-me lembrar de ti. E hei-de gostar do barulho do vento a bater no trigo…
A raposa calou-se e ficou a olhar durante muito tempo para o principezinho.
– Por favor… Prende-me a ti! – acabou finamente por dizer.
– Eu bem gostava – respondeu o principezinho – mas não tenho muito tempo. Tenho amigos para descobrir e uma data de coisas para conhecer…
– Só conhecemos as coisas que prendemos a nós – disse a raposa. – Os homens, agora já não têm amigos. Se queres um amigo, prende-me a ti!
– E o que é que é preciso fazer? – perguntou o principezinho.
– É preciso ter muita paciência. Primeiro, sentas-te um bocadinho afastado de mim, assim, em cima da relva. Eu olho para ti pelo canto do olho e tu não dizes nada. A linguagem é fonte de mal-entendidos. Mas todos os dias te podes sentar um bocadinho mais perto…
O principezinho voltou no dia seguinte.
– Era melhor teres vindo à mesma hora – disse a raposa. Se vieres, por exemplo, às quatro horas, às três, já eu começo a ser feliz. E quanto mais perto for da hora, mais feliz me sentirei. Às quatro em ponto já hei-te estar toda agitada e inquieta: é o preço da felicidade! Mas se chegares a uma hora qualquer, eu nunca saberei a que horas é que hei-de começar a arranjar o meu coração, a vesti-lo, a pô-lo bonito… São precisos rituais.
– O que é um ritual? – perguntou o principezinho.
– Também é uma coisa de que toda a gente se esqueceu – respondeu a raposa. – É o que faz com que um dia seja diferente dos outros dias e uma hora, diferente das outras horas. Os meus caçadores, por exemplo, têm um ritual. À quinta-feira, vão ao baile com as raparigas da aldeia. Assim, a quinta-feira é um dia maravilhoso. Eu posso ir passear para as vinhas. Se os caçadores fossem ao baile num dia qualquer, os dias eram todos iguais uns aos outros e eu nunca tinha ferias.
Foi assim que o principezinho prendeu a si a raposa. E quando chegou a hora da despedida:
– Ai! – exclamou a raposa. – Ai que me vou pôr a chorar…
– A culpa é tua – disse o principezinho. – eu bem não queria que te acontecesse mal nenhum, mas tu quiseste que eu te prendesse a mim…
– Pois quis – disse a raposa.
– Mas agora vais-te pôr a chorar! – disse o principezinho.
– Pois vou – disse a raposa.
– Então não ganhaste nada com isso!
– Ai isso é que ganhei! – disse a raposa. – Por causa da cor do trigo…
Depois acrescentou:
– Anda, vai ver outra vez as rosas. Vais perceber que a tua é única no mundo. Quando vieres ter comigo, dou-te um presente de despedida: conto-te um segredo.
O principezinho lá foi ver as rosas outras vez.
– Vocês são bonitas, mas vazias – ainda lhes disse o principezinho. – não se pode morrer por vocês. Claro que, para um transeunte qualquer, a minha rosa é perfeitamente igual a vocês. Mas, sozinha, vale mais do que vocês todas juntas, porque foi a ela que eu reguei. Porque foi a ela que eu pus debaixo de uma redoma. Porque foi a ela que eu abriguei com o biombo. Porque foi a ela que eu matei as lagartas (menos duas ou três, por causa das borboletas). Porque foi a ela que eu ouvi queixar-se, gabar-se e até, às vezes calar-se. Porque ela é a minha rosa.
E então voltou para o pé da raposa e disse:
– Adeus…
– Adeus – disse a raposa. – Vou-te contar o tal segredo. É muito simples: só se vê com o coração. O essencial é invisível para os olhos…
– O essencial é invisível para os olhos – repetiu o principezinho, para nunca mais se esquecer.
– Foi o tempo que tu perdeste com a tua rosa que tornou a tua rosa tão importante.
– Foi o tempo que eu perdi com a minha rosa… - repetiu o principezinho, para nunca mais se esquecer.
– Os homens já se esqueceram desta verdade – disse a raposa. – Mas tu não te deves esquecer dela. Ficas responsável pela tua rosa…
– Sou responsável pela mina rosa… - repetiu o principezinho, para nunca mais se esquecer.

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